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Antimaláricos (cloroquina e hidroxicloroquina) e COVID-19: síntese das evidências e das recomendações

Devido ao desespero da população e, até mesmo, dos colegas médicos e gestores em relação à prevenção/ tratamento dos efeitos da infecção pelo novo coronavírus (COVID-19), temos visto uma série de publicações na imprensa leiga e em periódicos médicos sobre esse tema. Apresentaremos a seguir uma análise crítica das evidências sobre esse assunto.


Sabemos que decisões terapêuticas devem ser baseadas em evidências robustas e que essas são obtidas através de revisões sistemáticas de ensaios clínicos randomizados. Foi publicada de forma antecipada (Epub ahead of print) apenas uma revisão sistemática sobre este tema. Esse trabalho (A systematic review on the efficacy and safety of chloroquine for the treatment of COVID-19 - J Crit Care. 2020 Mar) foi publicado no dia 10 de março deste ano, no periódico Journal of Critical Care por autores da University of Palermo (Itália) e da Hebrew University Faculty of Medicine (Israel), considerado um periódico bem-conceituado pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), classificado como “B1” nas Áreas de Medicina I, Medicina II e Medicina III e como “A2” na Área de Saúde Coletiva (revistas são classificadas como A1, e, sucessivamente, A2 e B1).
(https://sucupira.capes.gov.br/sucupira/public/consultas/coleta/veiculoPublicacaoQualis/listaConsultaGeralPeriodicos.jsf).


Independentemente do comentário acima, a revisão apresenta limitações metodológicas. Apesar da realização de buscas e extrações de forma independente por dois autores nas bases PubMed e Embase, e em dois registros de ensaios clínicos, os critérios de inclusão e exclusão não foram apresentados de forma clara e o protocolo não foi publicado previamente. Além disso, a ausência da avaliação da qualidade dos estudos selecionados impede a classificação deste estudo como “revisão sistemática”.

Assim, foram incluídos seis estudos (uma carta, um estudo in vitro, um editorial, um trabalho de consenso de especialistas, dois documentos de diretrizes nacionais) e 23 ensaios clínicos em andamento na China. Destes últimos, cinco ainda não foram aprovados, três ainda não iniciaram o recrutamento e os outros ainda estão em fase de recrutamento (só devem iniciar em abril). Os desfechos primários desses ensaios são heterogêneos, idem em relação à gravidade dos pacientes estudados, dose e tempo de tratamento. Em relação à carta, o próprio título é infeliz (Breakthrough: Chloroquine phosphate has shown apparent efficacy in treatment of COVID-19 associated pneumonia in clinical studies). Já em relação ao consenso (Expert consensus on chloroquine phosphate for the treatment of novel coronavirus pneumonia. Zhonghua Jie He He Hu Xi Za Zhi 2020;43 E019–9), pelo menos, os autores recomendaram precauções: exames de sangue para avaliar anemia, trombocitopenia, leucopenia, distúrbios eletróliticos, função hepática e renal; eletrocardiograma de rotina para excluir o desenvolvimento de prolongamento do intervalo QT e avaliação oftalmológica. Recomendaram também evitar medicamentos que possam prologar o intervalo QT (quinolonas, macrólidos, ondansetron), antiarrítmicos, antidepressivos e antipsicóticos. Infelizmente, apesar de não termos espaço para comentar aqui os outros quatro estudos incluídos na revisão, ressaltamos que deve ser feita diferenciação entre a hidroxicloroquina e a cloroquina.


Por fim, os autores da revisão concluem que, embora o uso de cloroquina/hidroxicloroquina seja apoiado por especialistas, sua utilização nos casos de COVID-19 deve aderir à estrutura Monitored Emergency Use of Unregistered Interventions (MEURI). Além disso, ressaltam que são urgentemente necessários ensaios clínicos de alta qualidade, provenientes de diferentes locais do mundo.


A maioria dos reumatologistas já leu resumos de revisões sistemáticas de ensaios clínicos nos quais certamente não foram incluídos cartas, editoriais e ensaios. Estamos em uma situação emergencial. Muitas vezes serão necessárias medidas intempestivas, não baseadas em evidências (lembrar que “ausência da evidência não significa evidência da ausência”). Mesmo assim, está longe indicação da recomendação delas para profilaxia de COVID-19. Talvez no máximo possamos indicar em casos individuais para casos selecionados. Relembramos que antimaláricos continuam sendo essenciais no tratamento da malária e das doenças como lúpus eritematoso sistêmico. Seu uso off label pode deixar sem tratamento adequado quem realmente precisa.

Número de ensaios clínicos novos no website da Organização Mundial de Saúde por semana em azul, com os números cumulativos em laranja.

Fonte: https://www.cebm.net/oxford-covid-19/covid-19-registered-trials-and-analysis/

Autor: Carlos Augusto F. De Andrade

Doutor em Ciências, Médico (Reumatologista) 


Diretor Científico e Presidente Eleito


Sociedade de Reumatologia do Rio de Janeiro (SRRJ)


Rio de Janeiro - RJ, Brasil


Pesquisador Titular em Saúde Pública


Departamento de Epidemiologia e Métodos Quantitativos em Saúde (DEMQS)


Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca (ENSP)


Fundação Oswaldo Cruz / Fiocruz


Professor Titular de Enfermidades Prevalentes em Reumatologia


Universidade de Vassouras – Rio de Janeiro