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COVID-19 e Reumatologia: primeiros passos em direção a um futuro diferente?

Apesar de todas dificuldades que estamos sofrendo diante da pandemia pelo COVID-19, o Professor Ian McInnes da University of Glascow (Reino Unido) nos brindou recentemente com excelente editorial no periódico Annals of Rheumatic Diseases (ARD) (Ann Rheum Dis May 2020 Vol. 79. No 5). O autor mostra uma visão otimista da nossa missão e perspectivas como clínicos especializados no manejo de enfermidades complexas. Iniciou ressaltando que a Reumatologia apresentou evolução rápida nas últimas décadas, principalmente devido ao aprendizado com estratégias que empregamos para manejo das doenças que tratamos.

O Professor McInnes destaca que possuímos habilidades necessárias para enfrentar a COVID-19. Refere que as medidas de Saúde Pública atualmente colocadas em prática exigirão um suporte de conhecimentos médicos robusto, tanto sob a forma de vacinas, bem como de novos tratamentos para alcançar a normalização da qualidade de vida da população mundial.

O autor levanta o interessante aspecto de que, apesar da suspeita da imunossupressão prévia (pelas próprias enfermidades e pelos medicamentos) constituirem um fator de risco para má evolução dos pacientes com o COVID-19, não vemos esta situação ocorrer. Os piores desfechos estão acontecendo nos idosos ou naqueles com comorbidades como doença pulmonar obstrutiva crônica, hipertensão e diabetes. O Professor McInnes destaca que, geralmente, usuários de  glicocorticoides e medicamentos anti-reumáticos modificadores de doença (DMARDs) não apresentaram evolução desfavorável nos casos de COVID-19. Em seguida, apresenta dados publicados por autores italianos em carta ao editor do ARD (Monte et al). Os resultados foram tranquilizadores, apesar da amostra com 320 pacientes (idade média de 55 ± 14 anos) tratados com DMARDs biológicos ou sintéticos alvo-específicos (57% com artrite reumatoide e 43% com espondiloartrite). Todos os pacientes infectados descontinuaram seus medicamentos sem ocorrência de flares. O autor relata que, a menos que o Covid-19 seja confirmado, a maioria das recomendações sugere continuação dos DMARDs. O pesquisador cita que foram criados com este objetivo, o EULAR-COVID-19 (banco de dados para monitorar resultados de Covid-19 nos pacientes com doenças reumatológicas) e o Covid-19 Global Rheumatology Alliance (repositório global também para o mesmo tipo de casos).

O Professor McInnes prossegue descrevendo um segundo e importante aspecto relacionado à nossa especialidade em relação à pandemia. Trata-se do possível papel da estimulação imune na evolução do Covid-19. Destaca que são necessários urgentemente agentes antivirais para tratamento dos pacientes com Covid-19, ressaltando que os agentes existentes ainda não parecem eficazes. Prossegue resumindo os três principais grupos de pacientes sintomáticos com COVID-19:

  • a maioria composta por indivíduos exibindo sintomatologia leve, sem sequelas conhecidas;
  • um grupo menor, porém clinicamente significativo que evolui para uma doença mais crítica;
  • um grupo adicional que aparentemente desenvolve uma síndrome de "tempestade de citocinas”.

O autor cita então os imunomoduladores atualmente disponíveis, iniciando pelo relato do entusiasmo precoce pela hidroxicloroquina, que apresenta efeitos sobre biologia celular viral através da alteração do pH dos endossomas, lisossomos e aparelhos de Golgi, juntamente com a capacidade de bloquear a replicação viral in vitro, associado à baixa qualidade dos dados obtidos dos ensaios clínicos, apesar da aprovação para uso em alguns países.

O professor Ian cita também o trabalho publicado no ARD por Spinelli e colaboradores que apresenta observações sobre o potencial uso profilático da hidroxicloroquina. Destaca também os riscos do uso generalizado da hidroxicloroquina na ausência de evidências da sua eficácia, relembrando seus efeitos colaterais, especialmente danos cardíacos induzidos pela  associação do vírus ao efeito do prolongamento do intervalo QT. Ressaltou também que o uso exacerbado da hidroxicloroquina no contexto do COVID-19, provocou escassez fornecimento da mesma, acarretando consequências graves para pacientes com doenças reumáticas.

O autor também destacou que a possível estimulação imune que ocorre em alguns pacientes com COVID-19, provocou o uso de inibidores de citocinas, especialmente do tocilizumabe (inibidor do receptor da interleucina-6) e da pesquisa de outros imunomoduladores como os inibidores da Janus-Kinase e os inibidores de fator de necrose tumoral alfa. Ressaltou que esses agentes podem apresentar efeitos adversos graves, acarretando preocupação nos intensivistas quanto à sua aplicação não regulamentada. Relembrando que nós, reumatologistas, somos especialistas no uso desses agentes, recomendou que sejamos os principais médicos a aconselhar sua aplicação.

Finalmente, o professor McInnes questiona sobre o que devemos fazer em termos recomendações de tratamento na era da Covid-19, destacando o papel de aconselhamento desempenhado por instituições como a Liga Europeia Contra Reumatismo (EULAR), o Colégio Americano de Reumatologia (ACR) e a Liga Contra Reumatismo Ásia e do Pacífico (APLAR).  O autor encerra o editorial frisando que todas as abordagens atuais são dificultadas pela falta de dados que rapidamente serão obtidos das iniciativas descritas acima (EULAR-COVID-19 e Covid-19 Global Rheumatology Alliance), permitindo que possamos responder de maneira rápida e baseada em evidências às demandas dos nossos pacientes. De forma elegante e positiva, o Professor McInnes ressalta que, apesar dos grandes desafios que estamos enfrentando, vivenciamos como “comunidade reumatológica” uma oportunidade ímpar para respostas criativas e humanas.

Perguntamos, após a leitura deste texto, o que faremos: “Vamos sofrer e reclamar da pandemia, ou aproveitar esse desafio para dar os primeiros passos para ajudar nossos pacientes a viverem melhor?" Ninguém precisa responder, já sabemos a resposta!

Autor do resumo:

Carlos Augusto F. de Andrade

Diretor Científico da SRRJ

(Créditos da arte: Eduardo Cabral de Andrade, filho do autor)