Blog

Variedade

Eu sei o que você fez no verão passado

Tema de filme de terror, o título desse texto caiu nas graças do gosto popular, e passou a servir de advertência às pessoas que suspostamente teriam cometido alguma escorregadela no passado, grave ou não. Há pouco tempo atrás, os rastros que deixávamos ao cometer algum vacilo desafiavam uma apuração mais cometida, nos moldes do famoso detetive inglês Sherlock Holmes. Ainda que nossos deslizes fossem flagrados por olhos atentos, a palavra de uma solitária testemunha era facilmente contestada, e muitas vezes desmoralizada. No direito, não eram poucas as teses apequenando o depoimento de uma única testemunha, a prostituta das provas. O fato irrefutável é que além da dificuldade de provar, o incauto vacilante desfrutava o beneplácito de ter a repercussão de sua travessura circunscrita àquele seu pequeno reduto. Nada de grandes proporções. Porém, estamos na era digital, onde o uso das redes sociais cada vez mais faz-se presente em nossas vidas. Poucas são as pessoas que utilizam o telefone ou celular para fazer ligação. Esmagadora cota da sociedade adotou o WhatsApp como meio oficial de comunicação. Mensagens e áudios são trocados com uma frequência assustadora. O uso dessas ferramentas digitais que facilitam e ao mesmo tempo infernizam seus usuários tem deixado pegadas cada vez mais frequentes e evidentes. Declarações e opiniões passadas ameaçam a todo momento o nosso presente. Eu votei na legenda X, porém hoje eu voto na Y. O retrovisor visualiza mensagens armazenadas que podem gerar não somente confusões de relacionamento familiares, como também denunciam um crime cometido. Quer um exemplo? O crime de racismo perfila na lista daqueles que são imprescritíveis, ou seja, de acordo com o art. 5º, incisos XLII e XLIV, da Constituição, são aqueles que podem ser julgados a qualquer tempo, independentemente da data em que foram cometidos. O vestígio, portanto, deixado nos arquivos dos dispositivos utilizados para comunicação na internet pode ser o algoz de uma surpresa desagradável. E por falar de racismo. Este crime, por causa da gravidade, tornou-se inafiançável, o que significa não poder recorrer ao pagamento de uma fiança para liberdade. Mesmo nas coisas mais frívolas os conceitos do passado acossam nossa consciência como se nossas ideias estivessem numa masmorra do pensamento sem direito a sursis. Ninguém por ser condenado por mudar de opinião. A reflexão é uma ferramenta poderosa para a evolução. De qualquer modo, esses novos tempos trazem uma responsabilidade ainda maior sobre a forma como expressamos nossas ideias. Seja por algo que compromete o contrato de trabalho, que dispara uma discussão familiar ou que lhe implica em responder por algum tipo de processo judicial, penal ou cível. Fato é que a vida tem sido mais exigente conosco, e traz um encargo novo e difícil, principalmente para quem nasceu no século passado, demandando uma consciência mais humana ao fazermos piadas ou comentários displicentes que possam atingir a honra e dignidade do nosso semelhante; bem como estabelece, também, coragem para que possamos enfrentar julgamentos em razão de uma mudança de pensamento. Autor: Dr. Jansen Oliveira Consultor jurídico da SRRJ