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Carta aos Associados

Considerações sobre os convênios

Gostaria inicialmente de parabenizar esta iniciativa da SRRJ, e agradecer a oportunidade de abordar um tema difícil pela sua complexidade, mas fundamental para definir que tipo de reumatologistas queremos ser e qual o futuro da Reumatologia para as novas gerações de especialistas. Bem, considero este assunto um marco e meta fundamental de discussão para todos os médicos. Tenho dito há algum tempo que se os convênios foram uma opção, agora acredito que são totalmente desnecessários da forma como existem. Não agradam aos médicos nem aos pacientes de uma forma geral, e os planos e empresas estão cada vez mais descontentes, criando subterfúgios para fugir da responsabilidade assumida. Como todos sabem sou o segundo reumatologista de uma família que participou, e ainda contribui de forma ativa para o sucesso e expansão da nossa especialidade. Assim vale à pena uma visão retrospectiva e histórica da evolução da reumatologia “na vida real” de consultório. E na minha visão em 40 anos de prática, como isso impacta a atual situação que estamos vivendo, ao ponto que estamos chegando. Desta forma gostaria de deixar bem explícito que tudo que abordo a seguir é fruto da minha vivência como profissional liberal, independente de vínculos trabalhistas na assistência médica pública ou privada, que nunca tive. Meus vínculos foram e são apenas acadêmicos em Universidades públicas e privadas do nosso estado ao longo de todos estes anos. Até os anos 50 do século passado não havia convênios como hoje os conhecemos, apenas alguns institutos de seguridade social e aposentadorias de algumas categorias profissionais um pouco mais organizadas como classes à época. No governo do presidente Getúlio Vargas, por sua iniciativa deu-se início à consolidação das leis trabalhistas, criando concomitantemente um sistema de atendimento médico para população (INAMPS) até então inexistente de forma regulamentada pelo governo. Neste período criou-se uma assistência médica diferenciada a seus funcionários e dependentes, unificando-a a todos os Institutos existentes (bancáros, comerciários, marítimos, etc) resultando no que hoje chamamos de GEAP para estes funcionários, e o atual SUS para o resto dos mortais brasileiros. Acredito que aí ocorreu o primeiro grande erro. Vejam, nascia um serviço de assistência médica para a população e outro com certas regalias, como atender os pacientes em consultórios particulares e por médicos referenciados numa lista que recebiam honorários diferenciados, isto é: mais do que os valores que o INAMPS pagava aos hospitais e clínicas privadas, que eram previamente “credenciadas” pelo atendimento à população em geral. Quanto aos valores recebidos como honorários àqueles médicos e clínicas ou hospitais referenciados para atendimento exclusivamente em seus consultórios privados, aos funcionários do sistema INANPS através da GEAP, recebiam seus honorários mensalmente, com valores maiores do que os praticados pelo INANPS à população geral e menores do que os valores de uma consulta particular da época, após apresentarem as guias assinadas pelos pacientes por eles atendidos! Se isto já não era um convênio, não sei o que seria. Assim iniciei minha vida em consultório e herdei esta situação. Como esse sistema evoluiu de forma insatisfatória, diversos órgãos estatais e bancos estaduais criaram, através dos seus sistemas próprios de aposentadoria e seguridade, planos de gestão como CASSI, PETROBRAS, PORTUS, ELETROBRAS, NUCLEBRAS, FUNCEF, CABESP, CABERJ, etc. para assistência médica diferenciada. Também surgiram cooperativas médicas, cujo exemplo mais atual são as UNIMEDs. Nos anos 80 e 90 chegou o momento em que bancos privados e algumas empresas voltadas para este mercado, como SulAmérica e Golden Cross, lançaram seus planos num mercado pouco regulamentado e que oferecia grande retorno financeiro aos gestores. Nesta época estávamos vivendo o terror da hiperinflação, o paraíso dos convênios e a completa desorganização econômico-financeira da população, incluindo aí muitos de nós médicos, clínicas e hospitais. Quem não faliu foi fortemente prejudicado ou prestou um serviço de qualidade duvidosa aos seus pacientes. Disseminou-se o processo tão falado da mercantilização da medicina. Neste período o segmento da saúde foi esmagado pelo poder destas entidades que rapidamente conseguiram se organizar em vários grandes grupos e associações em defesa dos seus interesses financeiros e em detrimento dos dois outros interessados na questão: médicos e usuários. Neste mesmo período aconteceu o início da derrocada dos hospitais públicos do antigo INAMPS. Para mim, herdeiro de alguns desses primeiros convênios, e ainda trabalhando com meu pai, foi um desespero e aprendizado desgastante. Chegou um determinado momento em que era melhor não trabalhar no consultório através de guias e toda burocracia necessária e imposta pelos convênios, com a política de glosas, atrasos sem justificativas nos repasses e toda sorte de artimanhas para ganhar mais alguns dias e lucrar com a inflação galopante da época. Não tenho dúvidas de que muitos passaram a atender pacientes de forma incorreta, apressadamente e a assumir riscos que certamente contribuíram para o processo de desmoralização, perda da autoridade e respeito pela nossa classe. Nós reumatologistas ainda éramos poucos, talvez a grande oportunidade de libertarmo-nos desta opressão e escravidão. Nesta mesma época ocorreu um aumento no número de escolas médicas com a política governamental de interiorização da atenção à saúde até hoje discutida, porém se mostrou na prática de uma forma inadequada. Então agora temos novamente a oportunidade de banir essa situação, devido infelizmente à destruição da rede pública que contamina os planos, voltados atualmente para um atendimento de massa em casos de menor complexidade e privilegiando alguns nichos selecionados para atendimento diferenciado em planos especiais. Se me permitem uma sugestão, cada um de nós pode colocar como meta para este segundo semestre sair daquele que seja o pior deles. E assim sucessivamente, a cada semestre abandonar o pior. Com certeza muitos pacientes vão continuar conosco, foi assim comigo e com vários de nós que seguiram neste caminho. Vamos conversar com nossos pacientes, é a eles que devemos nossa atenção e dedicação, e explicar esta postura. A grande particularidade das doenças reumáticas neste foco da relação médico-paciente exige essa postura, e teremos a grande oportunidade de fortalecer esse vínculo com ética e responsabilidade. A oportunidade de criar um valor justo para o nosso trabalho e conveniente para o paciente. Vamos reconquistá-los com as armas infalíveis da competência, atenção, respeito e ética. Tenho certeza que seremos mais felizes, teremos mais tempo para cada um deles e resgataremos a relação médico-paciente tão discutida, que considero cada vez mais importante, ameaçada que está no mundo digital que permite tanta facilidade no acesso a todo tipo de informação atualmente. Viveremos uma grande experiência, liberdade, autonomia e independência na profissão que escolhemos. Haverá uma recompensa tão grande em qualidade de vida e satisfação com o próprio trabalho, resgatando aqueles valores e ideais fundamentais muitas vezes adormecidos. Não há preço que pague esta decisão. Por que demoramos tanto a dar esse passo? Somos capazes, fomos e estamos todos os dias sendo treinados e preparados para tornarmo-nos melhores profissionais. Vamos ser solidários, honestos e corretos com nossos pacientes, não com os que nos escravizam e desrespeitam. Acho mesmo que estaremos fomentando uma conscientização nos pacientes dos abusos e ingerências descabidas destes agentes na saúde da população. Criando uma falsa ideia de que o plano é o grande gerente e benfeitor da saúde dos seus associados. Que felicidade foi no dia do último convênio, cerca de 10 anos atrás. Atendia 10 ou mais a cada manhã ou tarde de segunda a sexta. Preocupado com o tempo, atribulado pela burocracia imposta. Necessidade de outros funcionários, etc. Não tenho a menor saudade daquela correria. Nestes mais de 40 anos tenho a plena consciência de que deveria ter abandonado essa prática há muito mais tempo. Quantos pacientes passaram sem a devida atenção? Assim como tive a oportunidade de acompanhar meu pai no consultório, agora tenho a felicidade de acompanhar meus filhos. Meu pai me ensinou a ser médico com alguns convênios num momento em que o exercício da medicina ainda não havia sido contaminado e engolido por uma nova visão empresarial de grandes grupos financeiros. Solitariamente vivi e me adaptei à estas mudanças tomando o partido da minha consciência na defesa da nossa profissão em benefício dos nossos pacientes. Com meus filhos nunca tivemos convênio, são a certeza da escolha correta e o grande estímulo e incentivo para continuar neste rumo. Não podemos permitir que outros continuem a dominar e determinar até onde poderemos ir, o que poderemos prescrever. Quais terão uma medicina correta, atual e quantos estarão fadados ao insucesso. Uma decisão silenciosa, porém firme e definitiva. Gradativamente conseguiremos demostrar nossos princípios e necessidades, faremos o caminho de volta para a medicina independente, ética e tecnicamente seguindo nossos ideais, resgatando as atuais e próximas gerações de médicos deste futuro sombrio. Menos um convênio por semestre, o desafio compensa nossa felicidade e qualidade de vida no futuro tanto dos médicos quanto de nossos pacientes. Mais uma vez obrigado, boa sorte e sejam felizes. Abraços. Autor: Washington Alves Bianchi  Reumatologista da SRRJ