O Juiz e a Mosca Azul
“Nunca antes na história deste país” tivemos conhecimento de tantas falcatruas e escândalos envolvendo políticos e grandes empresários. Pessoas que outrora eram reverenciadas por onde passavam, hoje provocam indignação e perplexidade. Gastaram muito e roubaram muito. Tanto, que o ex governador do Rio de Janeiro, por coincidência xará daquele que viria a ser o primeiro a por os pés na terra de Santa Cruz, balbuciou em sua alcova prisional (dizem) que exagerou na dose.
Legislativo e Executivo dividem a lista negra do crime com empresas de grande porte que juntos sangram a nossa nação. As delações descortinam o cabaré da corrupção e revelam a nata da política tupiniquim. Nem o Chefe de Estado passou in albis. Numa relação promiscua, corruptor e corrompido bailam em um pas de deux de perversões delituosas. Há quem diga que no verso das páginas detratarias nomes do terceiro poder perfilam aguardando copiosamente a sua vez, será?
Em meio a fragilidade das instituições, algumas delas ganham notoriedade na sociedade. O país do futebol deu lugar a outros assuntos mais importantes. A escalação da seleção brasileira desafia a memória do cidadão, que sem pestanejar é capaz de soletrar sobrenomes incomuns, nomes de procuradores e magistrados. O ataque do time canarinho é menos conhecido do que a composição do Superior Tribunal Federal.
Evolução da consciência política? Progresso do exercício de cidadania? Provavelmente. Fato é que, às vezes até, questionamos decisões e sentenças judiciais como se tivéssemos discutindo a qualidade do jiló no supermercado. Tempos de redes sociais. Tempos em que informação é confundida com conhecimento.
Em meio a todo esse lamaçal, a imprensa tenta se equilibrar na corda bamba da decência e a audiência. Informar é um dever dos jornalistas, algumas vezes, a quem diga que na maioria delas, relativizado em prol da melhor audição.
Atenta a todos esses satélites e cometas, a opinião pública esforça-se para processar todo esse universo novo. Nas esquinas das redes sociais, discutimos sobre a justeza da delação premiada, procuramos entender o que é pedalada fiscal e qual é a linha sucessória presidencial. O rito do impeachment está decorado e fresco em nossas mentes.
Ok. Estamos avançando sobre todas essas questões, mas o entendimento sobre a razão pela qual um réu é absolvido e outro condenado; o porquê um juiz de primeira instância prende e o Tribunal Superior solta ainda não é muito bem absorvido pela maioria leiga. Cá entre nós e que meus colegas não me leiam. Até muitos advogados não entendem essa ciranda judicial.
É compreensível que as pessoas fora do círculo jurídico tenha dificuldade de perceber e compreender os critérios que levam uma decisão a outra e ainda aqueles que modificam uma determinação ou sentença. Afinal, precisamos de pelo menos cinco anos universitários para começar a entender toda essa diversidade de julgamentos.
Por isso, não pretendo explicar aqui as nuances e até mesmo o caminho percorrido entre o processo, com argumentos e provas até a convicção de um juiz. De novo, precisaríamos muito tempo e bastante teoria para efetivamente começar a entender o que se passa. No entanto, com todos meandros do mundo jurídico não deveria ser difícil para o cidadão assimilar o conteúdo de uma decisão judicial. Inclusive, o juridiquês vez em quando é combatido na intenção de que o texto jurídico seja facilmente compreendido pelo leigo. Essa deveria ser a regra, por mais liturgia tenha o cargo de magistrado.
Palavras rebuscadas à parte, até mesmo o difícil vocabulário não deveria impedir o entendimento sobre as medidas que são vindas do judiciário. Talvez esteja faltando mesmo coerência nas decisões. Talvez essa nova ordem digital esteja encantando e influenciando a cognição judicial. Ou será que o assédio jornalístico sobre os magistrados acabe embaçando a visão de uma parte desses julgadores? Afinal, por de trás da toga está uma pessoas sujeita a todos os sentimentos inerentes à condição humana.
Não está sendo fácil ser juiz nos dias de hoje. A fama oferecida de bandeja por grandes veículos de comunicação seduz qualquer um. E parece ser o que estamos vendo pela televisão e jornais, principalmente. A então recatada e despercebida atuação dos magistrados de outrora contrasta em meio a twiter, facebook e capas de revistas famosas. A “disputa” pela mídia, a pouco tempo travada tão-somente por advogados, ganhou concorrentes a altura. Procuradores da Justiça, juízes federais e ministros vêm protagonizando uma contenda ferrenha pelo assento da popularidade.
Típico desse mundo líquido, ensinado pelo professor Zygmunt Bauman, onde a solidez dos valores dá lugar a frivolidades e escassez de conteúdos. O minuto pela fama parece atingir cada vez mais as pessoas, que não conseguem resistir a não publicar aquela foto acordando ou criar vídeos falando sobre o nada. Esse é um dos males da internet (em meio a uma série de benefícios) cujo Umberto Eco alertava.
Toda essa adesão à mídia coloca em xeque a ética, o bom senso e a parcialidade das autoridades públicas e notadamente dos juízes. E assim passamos a nos perguntar: Será que era necessária aquela apresentação em Power Point? Será que a concessão de benefícios àquele delator foi justa? Será que aquele relaxamento para prisão domiciliar tem coerência?
O enxame de moscas azuis é deveras preocupante. É paradoxal. Enquanto receber informação e ter transparências em julgamentos etc nos transmite credibilidade e, por conseguinte, segurança, a exposição exagerada e muitas das vezes questionadas desses artífices da justiça acaba provocando um sentimento contrário.
Cabe a nós, expectadores, buscarmos o máximo de informações não somente na mídia, mas também com pessoas que tenham o mínimo de conhecimento de causa. Diante tudo isso, o próximo ano, todo esse grande processo será encaminhado à nação para proferir seu julgamento, condenando ou absolvendo seu candidato, pois não há maior e melhor justiça do que aquela feita com o seu voto!
Autor: Jansen Oliveira