Em tempos de “empoderamento feminino” ela merece ser uma referência maior. Mulher, negra, órfã aos 16 anos, criadas pelos tios ligados ao samba, dedicou-se de forma espartana à sua profissão. Graduada em Enfermagem e especializada em Assistência Social, Ivone Lara tornou-se braço direito da revolucionária psiquiatra Nise da Silveira, cuidando por 37 anos de pacientes com distúrbios mentais.
Essa dedicação somada ao machismo reinante nos terreiros das agremiações de samba, que não davam qualquer abertura para uma mulher mostrar sua música, contribuíram para seu reconhecimento tardio, tendo gravado seu primeiro disco aos 56 anos. Mas ela chegou lá. Pioneira, começou a despontar num ambiente masculinizado, primeiro no Prazer da Serrinha , que mais tarde deu origem ao grande Império Serrano, onde foi campeã de samba enredo em 1965, em parceria com ninguém menos que o mitológico Silas de Oliveira, no antológico “ Os Cinco Bailes da História do Rio “ (para mim um dos 3 melhores sambas enredo de todos os tempos ), tornando-se a primeira mulher a entrar pra a ala de compositores e a ganhar o concurso que escolhia qual samba enredo a escola iria desfilar na avenida.
Em um país líder em morte de mulheres negras e pobres, ela revolucionou com elegância e discrição, pela arte. Servindo de guia para todas as nossas grandes sambistas, Beth, Clara, Lecy, Alcione e tantas outras. Elas são porque Dona Ivone foi... E foi gravada por todos os grandes nomes do samba e da MPB. Seus famosos “lara raiás” em voz de soprano e o lirismo de suas melodias, inspiradas no jongo, no choro, nos sambas de terreiro, têm uma assinatura inconfundível.
Me lembro de tantas vezes ter ido ver o desfile do grande Império Serrano, para ver aquela “entidade” linda, incialmente vestida de suntuosa baiana à frente das demais baianas da ala, e depois, com mais idade, reverenciada em um carro alegórico, sempre vestida de baiana. Não sou Imperiano, embora tenha desfilado pela primeira vez exatamente nessa gloriosa agremiação, justamente no enredo “Baiana Mãe Baiana”, mas tremi quando pude ver de perto a Grande Dama do Samba, mas era um tempo em que não rolava selfie...
Agora o Terreiro do Céu ficou mais bonito e o pagode ganhou uma voz inigualável. A voz daquela que como ela mesmo dizia fora “nascida pra sonhar e cantar”.
Segue a listinha de algumas de suas imperdíveis obras para aqueles que queiram conhecer melhor essa Diva da Canção:
Nascida pra sonhar e cantar
Tendências
Alguém me avisou
Sonho meu
Sorriso negro
Acreditar
Mas quem disse que eu te esqueço
Tiê
Preá comeu
Sereia Guimar
Alvorecer
Os cincos bailes da História do Rio
Enredo do meu samba
Força da Imaginação
Candeeiro da Vovó
Autor: Dr. Walkir Fernandes Junior
Reumatologista da SRRJ